O telejornalismo, pela natureza do meio televisão, geralmente tem grilhões que mantém a performance dos repórteres aferrada a conceitos que muitas vezes não levam em consideração o passar do tempo e as mudanças na percepção do público.
Nós, profissionais de televisão, desde o primeiro dia de profissão somos condicionados a uma espécie de “manual de posturas” para quem aparece no vídeo.
Muitos conceitos se cristalizaram ao longo do tempo e viraram dogmas inquestionáveis, mesmo que na prática ninguém mais ligue para aquilo.
São mil regrinhas, algumas que ninguém sabe explicar de onde vieram, quem ditou o modelo e porquê.
Só se sabe que é preciso obedecer porque é assim e pronto.
Editores e chefes de reportagem conservadores e pouco afeitos à “ousadias” contribuem para perpetuar regras que não passam de preciosismos. Ou comodismo mesmo.
Tem editor que implica com os repórteres por causa do corte de cabelo, com a roupa, etc. E muitas vezes discussões bobas acabam até derrubando boas matérias em nome de um conceito ultrapassado.
Claro que televisão é imagem, e cuidados estéticos são necessários.
Mas antes de invocar regulamentos de postura que ninguém sabe mais como surgiram, o que deve prevalecer é o bom senso.
Cito então um exemplo de como é possível quebrar alguns conceitos, desde que, claro, se tenha “bala na agulha” para isso:
Há alguns anos, eu estava em Buenos Aires , Argentina, cobrindo para a Rede Globo mais uma das tantas crises financeiras dos “hermanos”.
Antes de dormir, cansado e zapeando na TV do hotel, parei para assistir uma reportagem da TVE espanhola.
Havia me chamado a atenção a forma de narrativa da reportagem.
Era uma matéria longa, como se fosse um Globo Repórter, relatando o caos que se instalara numa cidadezinha boliviana atingida pela erupção de um vulcão.
Me prendeu a atenção o fato da narrativa ser conduzida basicamente pelo som ambiente: só se ouvia o som dos tumultos nos saques, a gritaria das ruas enquanto o exército tentava instalar a ordem, sirenes, pessoas fazendo apelos diretamente para a câmera, os gritos dos soldados.
O repórter não parecia nunca. De vez em quando ele entrava com uma frase em off.
Mas sempre com uma frase precisa, dizendo exatamente o que seria necessário para amarrar a narrativa e manter o clima da matéria.
Eu já estava encantado com aquilo! Eu mal ouvia o repórter e a matéria havia me hipnotizado, pela forma de condução.
Eis então que o repórter aparece em cena!
Levei tamanho susto que me sentei na cama, num pulo com os olhos arregalados diante daquela visão inusitada:
O repórter, um tipo veterano, de barba, usava um tapa olho preto, com a tira diagonal atravessando a testa, igualzinho aos piratas do cinema!!
Aquilo me pareceu bizarro por alguns segundos, mas logo me dei conta que aquele visual era uma marca do sujeito, uma concessão da emissora dele, diante do calibre do profissional.
A matéria estava sendo tão magistralmente conduzida que aquilo que para nós seria uma afronta aos nossos padrões de estética televisiva, naquele contexto era um mero detalhe num excelente trabalho de cobertura.
OK, adotar visual de Barba Negra não faz de ninguém um grande jornalista.
Mas vale a pena ter pelo menos a atitude sensata de questionar eventuais imposições de estilo e estética - lembrando que isto só vale para quem sabe o que está falando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário