segunda-feira, 12 de março de 2012

AS LIÇÕES NA RECONQUISTA DO COMPLEXO DO ALEMÃO

A tomada dos complexos do Alemão e da Penha pelas forças de segurança, em março de 2011, foi acompanhada pela imprensa como uma verdadeira cobertura de guerra.

As imagens dos tanques do Exército e dos fuzileiros da Marinha  subindo o morro e esmagando as barricadas dos traficantes foram emblemáticas e exploradas ao máximo pela mídia.

Nem poderia ser diferente.

Foi um momento histórico, que gerou um banquete inédito de imagens para as televisões e fotógrafos.
Não se esquecerá tão cedo do flagrante aéreo mostrando os traficantes em debandada rumo aos matos que levam a outros morros.

Naqueles dias, a essência da cobertura era a invasão das tropas, a tentativa de retomada pelo Estado do controle de um território onde os traficantes reinavam absolutos há mais de 20 anos.

E o que aconteceu por lá desde então? O que mudou na vida dos cerca de 400 mil moradores? O tráfico realmente foi derrotado? A paz se estabeleceu naquele território sem lei?

Fui buscar estas respostas no final de fevereiro de 2012, junto com o repórter cinematográfico Gilberto Trindade.

Embora integrando a equipe do programa Brasil Urgente, da Band RS – logo, um programa voltado para o público gaúcho – achei que era hora de atacar a pauta, aproveitando o gancho que eu esperava há tempos: o envio de tropas gaúchas para integrar a Força de Pacificação.

Negociei com os comandos militar do sul e do leste (RJ), e com os comandantes da Força. Conseguimos nos instalar em uma das bases improvisadas no meio da comunidade.

TENSÃO PERMANENTE

Viver entre os militares, em vez de ficar em hotel, era a melhor forma de captar o clima tenso que, um ano depois, ainda gela o sangue de cada soldado que sai em patrulha pelo emaranhado infinito de vielas apertadas que se esparrama morro acima no Alemão e da Penha.
Uma perigosa teia de caminhos repletos de chances de emboscada, e onde ainda acontecem escaramuças entre as tropas e traficantes remanescentes.

Sempre de colete balístico (resistente a fuzil) e capacete, acompanhamos patrulhas durante o dia e varando a madrugada. Percorremos toda a região em jipes, motos e nos blindados Urutu. 

A atividade militar é incessante. Assim que uma patrulha volta para a base, outra sai na mesma hora. As tropas estão por toda parte, circulando a pé entre os moradores, percorrendo ruas e avenidas com jipes e caminhões apinhados de homens preparados para enfrentamento a qualquer hora.
A presença militar ostensiva resgatou uma sensação de segurança que ninguém por lá lembrava mais como era.

Os grandes traficantes foram presos ou fugiram para longe. As casas-fortaleza de onde comandavam o crime foram ocupadas pelos militares e pintadas de branco para simbolizar a volta da paz.
Os pontos onde o trafico era mais intenso e os traficantes desfilavam com fuzis pela rua, viraram postos de controle militar.

A retomada da região pela Força de Pacificação devolveu a tranqüilidade às ruas. O número de pequenos estabelecimentos comerciais se multiplicou, e a valorização dos imóveis alcançou 100% desde a ocupação.

As escolas, com vigilância militar, cumprem seus horários normais, sem ter mais que obedecer aos toques de recolher impostos pelos traficantes, que ordenavam o fechamento das aulas, sabotando o ano letivo e impedindo que os alunos completassem o curso.

O reinado de terror, onde era comum que soldados do tráfico invadissem casas das famílias para pegar a filha desejada pelo seu patrão, acabou.

O tráfico ainda continua, mas agora nas mãos de figuras que antes eram os chamados olheiros, fogueteiros, vapores e outros tipos menores. Órfãos do crime que agora tentam ocupar o lugar deixado pelos grandes.

Só que hoje eles não tem o território livre que fora abandonado pelo Estado, e onde seus ex-líderes prosperaram por tanto tempo.

Enquanto estávamos lá, por duas vezes as tropas foram alvejadas por disparos de pistola dos pequenos traficantes. Na mesma hora receberam de volta uma barragem de fogo de fuzil dos militares. Assunto liquidado na hora.

O GRANDE DESAFIO COMEÇA EM JULHO

Assumir o controle de uma região tão populosa, tão carente de serviços públicos e com uma arraigada cultura de resignação e tolerância ao poder do tráfico, exige muito mais que imposição militar.

É o que se chama de conquistar corações e mentes. A população no Alemão e na Penha ainda olha os soldados com certo desdém, como se quisessem sinalizar que é apenas uma questão de tempo até os traficantes dominarem tudo de novo.

A lei do silêncio continua uma instituição inabalável. As poucas declarações que pacientemente consegui arrancar de alguns moradores foram relatos quase monossilábicos. Mas ainda assim, diziam telegraficamente que se sentiam mais seguros; e logo davam um jeito de se livrar do microfone.

Enquanto as patrulhas circulam por toda a região, outros grupos de militares seguem uma detalhada estratégia planejada para restabelecer serviços que haviam sumido por conta do domínio do tráfico.

Acompanhamos os militares levando caminhões-pipa com água para abastecer comunidades que estavam há semanas com as torneiras secas. Vimos a tropa recebendo agradecimentos contidos de uma gente  que havia perdido completamente qualquer esperança de ser bem tratada pelo Estado.

Vimos máquinas da prefeitura voltando a subir os morros para instalar redes de água e de eletricidade, caminhões retomando a coleta de lixo, assistentes sociais transitando livremente para ouvir a população e encaminhar demandas represadas há décadas.   

Mas é agora que vem o maior desafio. Expulsar o tráfico foi fácil, diante do que vem pela frente.

Em julho deste ano, a Força de Pacificação devolverá o controle dos Complexos do Alemão e da Penha para o Governo do Rio de Janeiro.
Os militares voltarão para os quartéis, e o Estado reassumirá a comunidade para a qual virou as costas há mais de 20 anos, com a desculpa de que não conseguia penetrar no território autônomo do tráfico.

A segurança ficará por conta das policias civil e militar do RJ, que antes só subiam estes morros se fossem abertas as portas da corrupção.

A experiência do RJ é um alerta para o governo gaúcho, que promove a instalação dos chamados Territórios da Paz em comunidades onde o tráfico é intenso.

A tropa gaúcha que viu de perto os efeitos do abandono de uma comunidade pelo Estado, acumulou conhecimentos que poderão ser muito úteis por aqui.

Vamos torcer para que um dia não precisemos enviar tanques para a Restinga, Rubem Berta, Bom Jesus e outras áreas de Porto Alegre onde o tráfico desafia o poder público.


Nenhum comentário:

Postar um comentário