sexta-feira, 29 de abril de 2011

ARTESÃOS DE IMAGENS 5 - JOSÉ HENRIQUE

JOSÉ HENRIQUE começou como auxiliar técnico na TVE/RS, no início do anos 80. Na RBSTV, pouco tempo depois, formou-se cinegrafista. Com olhar aguçado, instinto jornalístico apurado e uma dedicação especial à construção das imagens, sempre buscando a melhor composição e fotografia, Zé Henrique logo se integrou ao Núcleo Globo no RS. E não demorou muito para se transferir para a Rede Globo. Detentor de dezenas de prêmios de reportagem, é hoje um dos repórteres cinematográficos "de elite" da Globo.


- A imagem mais difícil que já gravou:

Depende da circunstância. Ela pode ser difícil por ser gravada num momento de violência, pela dificuldade de se chegar ao local das imagens, pela emoção. Tem a coisa do momento, a imagem que surge uma vez e em fração de segundos.

No início de 98, gravei um assassinato num sinal de trânsito, no centro do Rio de Janeiro. Foi um flagrante. Quando os assassinos fugiram, vi que eu estava sozinho no meio da rua, e a vitima estava morrendo sentada no banco do carro. Eu não sabia o que fazer, foi uma situação muito difícil.

Em 2009, foi a procura de um urso na ilha de Shiretoko, no Japão, para o Globo Repórter. Esperamos vários dias, até que surgiu um na beira da mata. Foram segundos de aparição. Consegui gravar dois takes de 15 segundos.

Outro exemplo complicado foram as chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Além da dificuldade de acesso, tinha o fator emocional e cenas muito fortes, realmente chocantes.

Mas uma das situações mais críticas que enfrentei foi a cobertura do sequestro do ônibus da linha 174, no RJ. Fui o primeiro cinegrafista a chegar no local. Passei a tarde toda circulando ao redor. No final, estava em frente ao ônibus, e pude gravar a saída do sequestrador com a refém e os tiros. Foi uma cobertura muito tensa e difícil.

- O pior momento para um cinegrafista:

Na minha opinião, é quando você perde uma imagem importante, por erro ou vacilo. É doloroso.

- A imagem mais gratificante:

É aquela que só você tem.

- Maior perigo que já enfrentou trabalhando?

- Já foram alguns...Os piores foram ao entrar em favelas do Rio de Janeiro, em operações policiais. Tiro pra caramba, você não pode ficar para trás, e na maioria das vezes são morros, a subida é bem complicada. Em vários momentos você tem que se jogar no chão e rastejar com a bala cruzando por cima de você.

- Maior defeito de um cinegrafista:

É quando chega o momento em que ele acha que sabe tudo, que nada mais é novidade.

- E de um repórter?

- É quando ele se acha mais importante que a notícia. Isto é, quando a vontade de aparecer no vídeo e botar a cara na tela é o que mais importa...    

- Câmeras modernas salvam cinegrafistas limitados?

Podem ajudar em algumas situações. Mas o mais importante nem a tecnologia consegue dar: a fotografia, o bom gosto, a sensibilidade, saber o que filmar. É o que eu sempre digo: como repórteres cinematográficos, nós temos que escrever a notícia com imagens, temos que saber contar uma história com a nossa imagem.

- Cinegrafista deve interferir na edição?

Sempre que for possível, deve ao menos ajudar, falar o que trouxe da rua.

- Como a tecnologia está influenciando no papel do cinegrafista?

Em relação à câmera, a grande melhora, na minha opinião, é na qualidade da imagem e alguns recursos que facilitam o trabalho. No caso da edição, aí sim a evolução é muito grande, melhorou muito. Mas também pode atrapalhar o nosso trabalho, porque com os novos recursos de edição alguns editores podem destruir o trabalho de um repórter cinematográfico. É um risco.

- O que é mais importante no olhar do cinegrafista?

É saber enxergar a notícia, perceber o que é mais importante para a matéria.

- Cinegrafista mulher tem espaço?

Com certeza!

- Há diferença em trabalhar com repórter homem ou mulher?

O que menos importa em um repórter é o sexo, e sim a capacidade de trabalho.

- Que peso o cinegrafista deve ter na construção da matéria?

Para o telejornalismo, somos fundamentais, pois sem imagem você não tem matéria - no máximo uma nota pelada (n.e.: matéria mais curta com imagens sob a locução do apresentador). Quando estamos com o repórter, temos que dividir o peso da reportagem. Mas é fundamental para o repórter cinematográfico também estar bem informado sobre o assunto da matéria, para já pensar como conduzir e mostrar a história, ajudar a desenvolver a matéria, opinar e discutir com o repórter - no bom sentido, é claro. Na hora da passagem, conversar, dar dicas, casar a informação do texto com a imagem. Na minha opinião, a pior coisa para a nossa profissão é a submissão ao repórter, não ter opinião própria. É o caso daquele cinegrafista que pergunta para o repórter tudo o que este quer que seja gravado. É o pior exemplo para a categoria.

- Dica para cinegrafistas novatos:

A principal é só se tornar um repórter cinematográfico se realmente gostar da profissão, pois se não gostar, não vai crescer profissionalmente. A outra é assistir televisão, ver muitos filmes, documentários. Tudo é válido, pois sempre se aprende. Outra coisa é saber se valorizar profissionalmente. Isto se consegue com o trabalho e também com o comportamento, sabendo se portar como um profissional. E, como falei antes, estar sempre bem informado.

- Dica para repótrteres novatos:

Em 29 anos de profissão trabalhei com muitos repórteres. Alguns simplesmente fantásticos, outros nem tanto.
O grande diferencial entre eles é o seguinte: os melhores com quem já trabalhei tem em comum a humildade, a notícia sempre em primeiro lugar, e não a imagem deles. Não querem aparecer mais que os personagens, mais que a notícia. E outro diferencial é ser bem informado. A pior coisa para um repórter é sentar para entrevistar alguém sem ter informação. Já presenciei algumas situações bem vexatórias.

- Qual o tipo de reportagem mais desafiante? 

É aquela em que você consegue mostrar o que ninguém espera, em que você como cinegrafista traz a matéria. Aquela que ninguém acreditava e você consegue!

- Como percebe o olhar dos editores e chefes de reportagem sobre o trabalho dos cinegrafistas?

Está  mudando. Hoje tem muita gente nova. Editores e chefes de reportagem mais antigos tinham outro olhar sobre os cinegrafistas. Tínhamos mais espaço nas redações. Mas aqui na Globo, no Rio de Janeiro, estamos conseguindo reverter isso. Temos um chefe dos cinegrafistas que batalha bastante ao nosso lado por isso. Hoje a nossa categoria tem que lutar para recuperar este espaço e o respeito que tínhamos. Mas também o próprio cinegrafista tem que se fazer respeitar, ajudar nesta reconquista, mostrando a sua importância dentro de uma redação, não sendo apenas um "apertador de botão", e sim, um repórter cinematográfico de verdade.

- Cinegrafistas que fizeram história:

São muitos. Seria injusto citar um ou outro.

- O telejornalismo mudou?

Bastante. Um pouco para melhor, e muito para bem pior. Na minha opinião, uma das piores mudanças é em relação à qualidade do nosso jornalismo, tanto no lado dos repórteres quanto na qualidade das imagens. Elas são usadas nem nenhum  pudor, muitas vezes desnecessariamente, em nome do dito factual. Repórteres que parecem, acho eu, ganhar por quilômetro andado. Matéria com o repórter andando o tempo todo, com respiração ofegante de cachorrinho, é muito ruim. Todas as matérias são praticamente iguais, é triste ver. Outro problema é a banalização das imagens, usadas de qualquer forma, filmadas com qualquer coisa, às vezes sem necessidade.

- As TVs usam cada vez mais imagens feitas por populares com celulares e câmeras fotográficas. Isso preocupa?

Preocupação não digo, mas sim, tristeza. A banalização da imagem, o fim da qualidade, na minha opinião, podem trazer uma maior audiência temporária, mas não definitiva. Concordo com este uso quando é uma coisa realmente importante, forte; aí, tudo bem. Mas agir assim para qualquer situação, é um absurdo. O mais concreto, creio, é que isso não traz aquela audiência definitiva; pouca qualidade pode ganhar momentaneamente, mas não mantém. Temos alguns exemplos que duraram pouco. Lembram do "Aqui e Agora" (SBT) e outros tantos parecidos? É só pensar que as audiências duradouras são conquistadas e mantidas com a qualidade.

3 comentários:

  1. Que blog legal Azeredo. Cheio de histórias gostosas e gente querida. Em nome de todos cito os colegas mostrados nos primeiros posts, Zé Henrique, Maguila, Mário Vial, tu (claro). Saudades de vocês. E continua contando essas histórias que é muito bom acompanhar. E mais ainda, o perfil dos nossos artistas das imagens. Beijos a todos.

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  2. Que bom que gostaste do blog, Lize! Tua opinião tem peso especial! Beijão!

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  3. Tem depoimento do Zé Henrique no documentário "Ônibus 174", de José Padilha ("Tropa de Elite"). Grande testemunho. E, como sempre, grande a tua iniciativa de homenagear esses artesãos, Ricardo!

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