segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Revista Realidade - o resgate de um marco no jornalismo brasileiro


Nesse país de memória curta, muita coisa se perde na poeira do passado graças à nossa vocação de viver só o presente, mal  pensar no futuro e nunca revisitar tempos idos em busca de aprendizado.

Para nós, jornalistas, este traço tão característico da personalidade do brasileiro é um pecado capital. Principalmente porque nosso ofício é uma das vértebras mais importantes da coluna que mantém ereto nosso sentido de nação.

Conhecer o passado da nossa imprensa é vital porque, não raro, iniciativas – e proezas – de outros tempos não só influenciaram acontecimentos, como também  contribuíram para a evolução da maturidade de nossa sociedade.

E ainda moldaram gerações de jornalistas que hoje são referências incontestáveis , vivos ou mortos.
A revista Realidade foi uma das experiências mais marcantes do jornalismo brasileiro.

Lançada em 1966, pela Editora Abril, trazia matérias com todos os ingredientes clássicos das grandes reportagens. Temas contundentes, redação primorosa, abordagens corajosas, fotografias impactantes e outros elementos que faziam de cada edição um registro fiel e muitas vezes histórico daquele período no Brasil e no mundo.  

A revista parou de circular no final dos anos 70. Mas até hoje é referência para Veja, Isto É, Época e tantas outras revistas e jornais , inclusive de outros segmentos.

Agora, a história da Realidade é resgatada pelas mãos de dois jornalistas que viveram aqueles tempos: José Carlos Marão e o grande José Hamilton Ribeiro. Este último, na minha opinião, um dos melhores repórteres de televisão do Brasil em todos os tempos.

José Hamilton, veterano setentão, continua  em plena atividade como repórter do Globo Rural, um dos programas mais  bem elaborados da televisão brasileira.

Foi cobrindo a Guerra do Vietnã pela Realidade que José Hamilton perdeu parte da perna esquerda ao pisar numa mina. Ele acompanhava uma patrulha americana em território vietcongue quando o destino cobrou o preço da ousadia.

A imagem da capa da revista, com a foto de José Hamilton ensangüentado logo após a explosão, se cristalizou na minha memória adolescente e me deu um dos primeiros sinais de que aquela atividade ia fazer parte da minha vida.

Esta dramática experiência no Vietnã é uma das tantas que José Hamilton relata no livro “Realidade Re-vista”  lançado agora pela  editora  Realejo Livros.

Imperdível!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Para ler sobre jornalismo - e esquecer o tal BBB...


O Big Brother - que voltou a infernizar nossas vidas em mais uma edição – costuma estimular, além dos calorosos e patéticos debates sobre as “estratégias” dos participantes,  a discussão sobre o papel de Pedro Bial na apresentação.  

É comum a opinião entre nossos colegas, de que Bial , um excelente jornalista, “vendeu a alma ao diabo”, ou que no mínimo trata-se de um grande desperdício de talento jornalístico.

Bem, seja qual for o motivo, Bial fez a opção dele. O que não macula o histórico deste brilhante repórter.

Aproveito então para falar novamente sobre livros que jornalistas novatos e veteranos devem ter a oportunidade de ler.  

Bial teve uma trajetória  marcante como correspondente da Rede Globo na Europa, e escreveu “Crônicas de Repórter”( Ed. Objetiva, 1996). É um relato consistente, com o olhar objetivo e critico com que ele costumava temperar suas reportagens.

Outra obra que recomendo é  A Aventura  da Reportagem” (Summus,1990), escrita por dois grandes nomes do jornalismo brasileiro: Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotcho.  

E para completar o cardápio, sugiro ainda “A notícia na TV: O dia-a-dia de quem faz telejornalismo” (Alegro,2002), de OIga Curado.

Nenhuma destas obras é lançamento. O valor delas está no relato dos autores, gente que conhece o calor da batalha e sabe muito bem o gosto dos prazeres e dissabores do nosso ofício. 

Três livros que nunca perderão a atualidade.
    

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dicas para focas (ou nem tanto...) - 9

Parindo a Pauta! Criar - e brigar - é fundamental!


A figura do pauteiro é essencial em qualquer redação.  Além de monitorar os factuais que não podem deixar de ser acompanhados pelo veículo, ele tem que criar.

E é aí que se faz a diferença:  bolar pautas exclusivas, fruto da perspicácia, conhecimento,  e do olhar atento que vai além do dia a dia.

Mas repórter que se preza não deve chegar sempre na redação com a cabeça  vazia de idéias, acomodado com o hábito de receber a pauta pronta.

Ok, na maioria das vezes, as missões já estão definidas no início do turno pelos editores e chefes de reportagem. A pauta factual do dia normalmente ocupa todas as equipes.

Mas veículos que prezam coberturas diferenciadas e apostam no potencial dos repórteres sempre encontram um espaço para novas idéias.

É a hora do repórter dizer a que veio.

Repórter que chega com uma boa idéia para propor já está à frente dos demais.
O ideal é desenvolver um mecanismo pessoal de criação, estimular o hábito de estar sempre pensando em alguma nova abordagem, seja qual  for o tema.

Todo assunto pode ser uma boa pauta.

O repórter não pode ter receio de deixar a imaginação voar. Não pode fechar os olhos para o que está ao redor, não pode menosprezar conceitos só porque ele imagina que na redação os chefes não vão topar.

Brigar por suas idéias é fundamental.

Só não pode, claro, brigar com a realidade. O repórter faz parte de uma equipe. Se o dia está tomado por factuais importantes, não adianta bater pé numa pauta que pode esperar, mesmo que seja uma bela idéia.

Mas insisto:  brigar e tentar convencer os superiores  é essencial e absolutamente legítimo.

Ilustro com uma experiência pessoal:

Em 1993, a discussão sobre aquecimento global estava começando a crescer. Eu era repórter da RBSTV. Pensei: tenho que fazer uma matéria na Antártica. O Brasil está lá e os gaúchos foram pioneiros na exploração.

Eu sabia que não seria nada fácil. Era uma pauta de logistica extremamente difícil, e especialmente cara. Ainda mais para uma emissora regional. Eu ainda não era correspondente da Rede Globo.

Mas comprei a briga. Sozinho. 

Sabendo que dificilmente teria sinal verde dos meus chefes para iniciar a produção, resolvi produzir toda a pauta por conta própria. Levantei os contatos, e comecei a negociar com a Marinha, responsável pela operação do Programa Antártico Brasileiro.

Fiz toda a tramitação em nome da emissora, sem que ninguém soubesse. Foram seis meses de ofícios e telefonemas. E ao mesmo tempo pesquisava fontes, preparava material de campo.

Quando finalmente a Marinha autorizou a participação numa das expedições, me preparei para convencer os chefes. Eu sabia que a autorização não seria suficiente. Tratei então de garantir apoio “Global”.

Com apoio da colega Celina Carvalho, editora local do Núcleo Globo, ofereci a pauta para o Fantástico. 

Eles toparam na hora.

Então fui falar com o então chefe do departamento de telejornalismo, Roberto Appel, um grande jornalista.
Foi uma discussão forte, em que ele argumentava que a operação era complicada demais, e que não iria autorizar. Eu disse então que a Globo já estava esperando a matéria.
Ele esbravejou, mas acabou cedendo.

Embarquei num avião da FAB com o repórter cinematográfico Edison Silva e o operador Umberto Durand. Fomos para a Antártica no auge do inverno, pior período para fazer matérias no lugar mais gelado do planeta.

Mas era a única chance que tínhamos.

A matéria foi destaque no Fantástico, teve ótima repercussão num programa especial  local (Projeto Ecologia, dirigido e editado por Mônica Roemmler) e conquistou o primeiro lugar em reportagem especial de TV da Associação Riograndense de Imprensa naquele ano.  

Valeu ou não valeu a pena brigar?




domingo, 9 de janeiro de 2011

ESSE JÁ FOI TARDE! MAS TODO CUIDADO É POUCO...

O Governo Federal recuou na tentativa de criar mecanismos de controle da mídia. 
A decisão de tirar o tema da pauta (e de não mais enviar para o Congresso) equivale a um arquivamento sem data para ser revertido. O argumento oficial é de que  “é preciso uma discussão mais aprofundada”. Quanta imaginação...

Desde o começo desta discussão ficou evidente o viés autoritário da proposta, um libelo pseudo-chavista que tinha tudo pra azedar as relações da mídia (não só a grande), com o governo que se inicia agora com um cenário tão estimulante.  O desgaste seria tão previsível quanto desnecessário.

Como já foi dito aqui, é preciso mesmo estabelecer critérios que monitorem abusos, como o apelo irresponsável à sexualidade, apologia às drogas, ao crime e outros  valores moralmente condenáveis – especialmente em novelas e programas sensacionalistas – nos horários em que toda a família está assistindo TV.  

Mas ninguém sabe até onde iria a aventura inquisidora, pois, mais que a dramaturgia e entretenimento,  o jornalismo seria alvo inevitável – e preferencial -  dos tais mecanismos de controle de conteúdo e punição.

O arquivamento debelou o avanço desta doença que ameaçava se instalar na sociedade. 
Mas não significa que o vírus foi neutralizado. É bom lembrar que ele pode estar apenas adormecido, mas potencialmente perigoso, latente.  

Para proteger a sociedade desta ameaça, só há um antídoto: informação.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CAIU A AUDIÊNCIA DO JORNAL NACIONAL. E DAÍ??

Cada vez que se anuncia que o mítico Jornal Nacional perdeu telespectadores, a coisa soa como se o “império” Rede Globo estivesse começando a ruir...

É conversa de botequim – ou, melhor ainda, combustível ideal para animar calorosas e xiitas discussões nos diretórios acadêmicos dos cursos de comunicação.

Pois a Folha de São Paulo deu que a audiência do JN caiu 24% desde 2000. Muito bem, e aí?
É, de fato, um número preocupante para um programa que historicamente liderou com folga o segmento e sempre ditou regras para os concorrentes.   

Pode-se discutir se a fórmula do JN está se desgastando, se Bonner e Fátima já não são mais o casal 20 da TV brasileira, etc, etc.
Mas o JN e o chamado padrão Globo continuarão a ser referências de qualidade em telejornalismo por muito tempo, queiram ou não os profetas da mídia.

Antes de levar o debate para o campo fútil do maniqueísmo e das teorias mirabolantes sobre a “democratização” da comunicação, é preciso entender que o mercado de comunicação mudou muito nos últimos 20 anos.

As redes concorrentes da Globo evoluíram, e outras surgiram. Os telejornais nacionais da Band, Record, SBT e outros melhoraram muito a qualidade da sua produção.  
A TV a cabo se proliferou (incluindo a ilegal) e outras mídias também ganharam espaço.

Ou seja, o público telespectador hoje tem muito mais opções.
E nesse contexto é mais que natural que a líder perca terreno.
Seria muito estranho se isso não acontecesse.

Bem, o que vem pela frente é outra história.
Ainda tem muita coisa para acontecer, especialmente por conta dos ventos cada vez mais fortes que sopram da era digital.

Uma coisa é certa: as peças sempre se acomodam neste tabuleiro.
E pelo andar do jogo, quem está ganhando é o telespectador.


A ARTE DURA, A VIDA É BREVE. TE LIGA, JORNALISTA!

Ter noções básicas sobre arte é um grande diferencial para um jornalista.
Entender é melhor ainda, pois dá uma ferramenta inigualável para o exercício deste nosso ofício. 

                                               Salvador Dali

É um erro grave pensar que só quem trabalha em editorias desta área precisa conhecer artes plásticas, música clássica, dramaturgia e outros campos do conhecimento que não seja o factual.

A história do mundo está ligada à história das artes. Jornalista sem cultura é nada mais que um escrevinhador de atas travestidas de reportagem.

O mundo virtual todo dia nos brinda com novidades que nos permitem aprimorar nosso conhecimento, de forma bastante prática.

No campo das artes, a grande sacada agora é o ArtBabble, que a revista Isto É (edição 29/12/10, pg 127) classifica como o YouTube das artes.

O www.artbabble.org é um site de vídeos que armazena a produção audiovisual dos principais museus de arte dos EUA e da Europa.
A maioria do conteúdo é em alta definição, ao contrário do que se acha no YouTube.

O design é prático, para facilitar a navegação aos não iniciados.
Estão lá entre outros, acervos de museus como o MoMA, Guggenheim e Van Gogh. Tudo ao alcance do mouse.

Um tesouro inestimável que a tecnologia nos entrega em casa, de graça.  


sábado, 1 de janeiro de 2011

Repórter, o contador de histórias

Uma história bem contada pode ficar muito mais interessante que outra com assunto mais forte, mas relatado de forma burocrática.

O repórter não pode ser o redator de uma ata, como se, ao invés de exercer seu papel de testemunha ocular do fato, agisse como uma enfadonha secretária redigindo o resultado de uma reunião de diretoria. 

Não basta descrever o fato e seus elementos básicos. A matéria tem que ter charme, personalidade. Seja uma reportagem policial ou a análise de um setor da economia.

Isso não faz do repórter dono dos fatos e muito menos senhor da verdade. Contar bem uma história é extrair dela seus melhores ingredientes e temperar com um olhar especial, que vá além da simples observação dos acontecimentos e do uso correto dos dados.

É aí que entra a capacidade pessoal do repórter.

Usando seus recursos de imaginação e base de informação (cultural inclusive), ele vai saber encontrar uma maneira de contar a história com estilo e classe.
E fazer a diferença.

Sempre que possível, o repórter deve “conduzir” o público pela matéria, seja jornal, rádio ou TV.
É preciso cativar o leitor, ouvinte ou telespectador, já nas primeiras linhas. E contar a história prendendo a atenção até o fim.

Há vários recursos para tornar uma reportagem atraente: texto fluido, direto e cativante; uso de figuras de linguagem, metáforas, referências cinematográficas ou literárias, etc.

Claro que cada mídia requer um tratamento específico. Em reportagens de TV, obviamente as imagens são a principal ferramenta. Takes precisos harmonizados com um texto bem costurado, e uma participação equilibrada do repórter garantem o sucesso da matéria.

Em rádio, a aplicação criativa de sons ambientes, trilhas musicais, uso criterioso das entrevistas e uma performance sensata do repórter dão o ritmo necessário para segurar a atenção do ouvinte.

Em jornal, a base, claro, é uma boa redação (e não falo só de gramática correta), com a ajuda sempre que possível, de fotos e outros recursos como infográficos. O mesmo vale para o texto na web, com as vantagens das plataformas multimídia.

É fundamental fugir dos lugares comuns e referências previsíveis.

No caso de TV ou rádio, especialmente, o repórter deve ter muito cuidado ao imprimir seu estilo pessoal.
É preciso saber o limite entre uma performance com classe e uma postura boba.
Muitos repórteres ficam tentados a fazer gracinhas no texto para tentar dar um certo clima, mas acabam resvalando no ridículo.
E condenando a matéria.