sexta-feira, 29 de abril de 2011

ARTESÃOS DE IMAGENS 5 - JOSÉ HENRIQUE

JOSÉ HENRIQUE começou como auxiliar técnico na TVE/RS, no início do anos 80. Na RBSTV, pouco tempo depois, formou-se cinegrafista. Com olhar aguçado, instinto jornalístico apurado e uma dedicação especial à construção das imagens, sempre buscando a melhor composição e fotografia, Zé Henrique logo se integrou ao Núcleo Globo no RS. E não demorou muito para se transferir para a Rede Globo. Detentor de dezenas de prêmios de reportagem, é hoje um dos repórteres cinematográficos "de elite" da Globo.


- A imagem mais difícil que já gravou:

Depende da circunstância. Ela pode ser difícil por ser gravada num momento de violência, pela dificuldade de se chegar ao local das imagens, pela emoção. Tem a coisa do momento, a imagem que surge uma vez e em fração de segundos.

No início de 98, gravei um assassinato num sinal de trânsito, no centro do Rio de Janeiro. Foi um flagrante. Quando os assassinos fugiram, vi que eu estava sozinho no meio da rua, e a vitima estava morrendo sentada no banco do carro. Eu não sabia o que fazer, foi uma situação muito difícil.

Em 2009, foi a procura de um urso na ilha de Shiretoko, no Japão, para o Globo Repórter. Esperamos vários dias, até que surgiu um na beira da mata. Foram segundos de aparição. Consegui gravar dois takes de 15 segundos.

Outro exemplo complicado foram as chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Além da dificuldade de acesso, tinha o fator emocional e cenas muito fortes, realmente chocantes.

Mas uma das situações mais críticas que enfrentei foi a cobertura do sequestro do ônibus da linha 174, no RJ. Fui o primeiro cinegrafista a chegar no local. Passei a tarde toda circulando ao redor. No final, estava em frente ao ônibus, e pude gravar a saída do sequestrador com a refém e os tiros. Foi uma cobertura muito tensa e difícil.

- O pior momento para um cinegrafista:

Na minha opinião, é quando você perde uma imagem importante, por erro ou vacilo. É doloroso.

- A imagem mais gratificante:

É aquela que só você tem.

- Maior perigo que já enfrentou trabalhando?

- Já foram alguns...Os piores foram ao entrar em favelas do Rio de Janeiro, em operações policiais. Tiro pra caramba, você não pode ficar para trás, e na maioria das vezes são morros, a subida é bem complicada. Em vários momentos você tem que se jogar no chão e rastejar com a bala cruzando por cima de você.

- Maior defeito de um cinegrafista:

É quando chega o momento em que ele acha que sabe tudo, que nada mais é novidade.

- E de um repórter?

- É quando ele se acha mais importante que a notícia. Isto é, quando a vontade de aparecer no vídeo e botar a cara na tela é o que mais importa...    

- Câmeras modernas salvam cinegrafistas limitados?

Podem ajudar em algumas situações. Mas o mais importante nem a tecnologia consegue dar: a fotografia, o bom gosto, a sensibilidade, saber o que filmar. É o que eu sempre digo: como repórteres cinematográficos, nós temos que escrever a notícia com imagens, temos que saber contar uma história com a nossa imagem.

- Cinegrafista deve interferir na edição?

Sempre que for possível, deve ao menos ajudar, falar o que trouxe da rua.

- Como a tecnologia está influenciando no papel do cinegrafista?

Em relação à câmera, a grande melhora, na minha opinião, é na qualidade da imagem e alguns recursos que facilitam o trabalho. No caso da edição, aí sim a evolução é muito grande, melhorou muito. Mas também pode atrapalhar o nosso trabalho, porque com os novos recursos de edição alguns editores podem destruir o trabalho de um repórter cinematográfico. É um risco.

- O que é mais importante no olhar do cinegrafista?

É saber enxergar a notícia, perceber o que é mais importante para a matéria.

- Cinegrafista mulher tem espaço?

Com certeza!

- Há diferença em trabalhar com repórter homem ou mulher?

O que menos importa em um repórter é o sexo, e sim a capacidade de trabalho.

- Que peso o cinegrafista deve ter na construção da matéria?

Para o telejornalismo, somos fundamentais, pois sem imagem você não tem matéria - no máximo uma nota pelada (n.e.: matéria mais curta com imagens sob a locução do apresentador). Quando estamos com o repórter, temos que dividir o peso da reportagem. Mas é fundamental para o repórter cinematográfico também estar bem informado sobre o assunto da matéria, para já pensar como conduzir e mostrar a história, ajudar a desenvolver a matéria, opinar e discutir com o repórter - no bom sentido, é claro. Na hora da passagem, conversar, dar dicas, casar a informação do texto com a imagem. Na minha opinião, a pior coisa para a nossa profissão é a submissão ao repórter, não ter opinião própria. É o caso daquele cinegrafista que pergunta para o repórter tudo o que este quer que seja gravado. É o pior exemplo para a categoria.

- Dica para cinegrafistas novatos:

A principal é só se tornar um repórter cinematográfico se realmente gostar da profissão, pois se não gostar, não vai crescer profissionalmente. A outra é assistir televisão, ver muitos filmes, documentários. Tudo é válido, pois sempre se aprende. Outra coisa é saber se valorizar profissionalmente. Isto se consegue com o trabalho e também com o comportamento, sabendo se portar como um profissional. E, como falei antes, estar sempre bem informado.

- Dica para repótrteres novatos:

Em 29 anos de profissão trabalhei com muitos repórteres. Alguns simplesmente fantásticos, outros nem tanto.
O grande diferencial entre eles é o seguinte: os melhores com quem já trabalhei tem em comum a humildade, a notícia sempre em primeiro lugar, e não a imagem deles. Não querem aparecer mais que os personagens, mais que a notícia. E outro diferencial é ser bem informado. A pior coisa para um repórter é sentar para entrevistar alguém sem ter informação. Já presenciei algumas situações bem vexatórias.

- Qual o tipo de reportagem mais desafiante? 

É aquela em que você consegue mostrar o que ninguém espera, em que você como cinegrafista traz a matéria. Aquela que ninguém acreditava e você consegue!

- Como percebe o olhar dos editores e chefes de reportagem sobre o trabalho dos cinegrafistas?

Está  mudando. Hoje tem muita gente nova. Editores e chefes de reportagem mais antigos tinham outro olhar sobre os cinegrafistas. Tínhamos mais espaço nas redações. Mas aqui na Globo, no Rio de Janeiro, estamos conseguindo reverter isso. Temos um chefe dos cinegrafistas que batalha bastante ao nosso lado por isso. Hoje a nossa categoria tem que lutar para recuperar este espaço e o respeito que tínhamos. Mas também o próprio cinegrafista tem que se fazer respeitar, ajudar nesta reconquista, mostrando a sua importância dentro de uma redação, não sendo apenas um "apertador de botão", e sim, um repórter cinematográfico de verdade.

- Cinegrafistas que fizeram história:

São muitos. Seria injusto citar um ou outro.

- O telejornalismo mudou?

Bastante. Um pouco para melhor, e muito para bem pior. Na minha opinião, uma das piores mudanças é em relação à qualidade do nosso jornalismo, tanto no lado dos repórteres quanto na qualidade das imagens. Elas são usadas nem nenhum  pudor, muitas vezes desnecessariamente, em nome do dito factual. Repórteres que parecem, acho eu, ganhar por quilômetro andado. Matéria com o repórter andando o tempo todo, com respiração ofegante de cachorrinho, é muito ruim. Todas as matérias são praticamente iguais, é triste ver. Outro problema é a banalização das imagens, usadas de qualquer forma, filmadas com qualquer coisa, às vezes sem necessidade.

- As TVs usam cada vez mais imagens feitas por populares com celulares e câmeras fotográficas. Isso preocupa?

Preocupação não digo, mas sim, tristeza. A banalização da imagem, o fim da qualidade, na minha opinião, podem trazer uma maior audiência temporária, mas não definitiva. Concordo com este uso quando é uma coisa realmente importante, forte; aí, tudo bem. Mas agir assim para qualquer situação, é um absurdo. O mais concreto, creio, é que isso não traz aquela audiência definitiva; pouca qualidade pode ganhar momentaneamente, mas não mantém. Temos alguns exemplos que duraram pouco. Lembram do "Aqui e Agora" (SBT) e outros tantos parecidos? É só pensar que as audiências duradouras são conquistadas e mantidas com a qualidade.

Mais um causo dos tempos da TV ao vivo no RS

Apresentador quase derruba avião da Varig... 

O programa semanal da Varig na TV Piratini (n.e.: Anos 60, ainda pertencia ao grupo Diários Associados, e não ao Estado do RS, quando virou TVE) possivelmente era o de maior audiência da emissora. O espaço iniciava com o desenho animado de um avião cruzando lentamente o vídeo, com o rastro transformando-se em linha do horizonte. Terminada a propaganda, o animador entrava direto do estúdio, ao vivo.
Passadas poucas semanas da queda de um aparelho da empresa, em acidente que traumatizara o país, aconteceu de minutos antes do início do espetáculo um dos pesados spots de iluminação desabar estrepitosamente do teto, exatamente no lugar onde ficaria o apresentador.  Dada a premência do tempo, tudo ajeitou-se às pressas, reinstalando-se precariamente o holofote. Enquanto principiava a publicidade habitual, fez-se completo silêncio no estúdio e abriu-se o microfone para lá.
Através de sinais, deram-se as instruções finais para o locutor ocupar o seu posto.
Visivelmente amedrontado, olhar angustiado, fixado na enorme e periclitante lâmpada bem acima de sua testa, o coitado distraiu-se e comentou com voz nítida, ouvida por todos os telespectadores e acoplada à imagem do comercial do avião:
- Esta merda vai acabar caindo na minha cabeça!

(Texto original extraído do livro Anedotário da Rua da Praia, de Renato Maciel de Sá Júnior, p.108, Ed. Globo, Porto Alegre, 1983)

domingo, 10 de abril de 2011

CAUSOS DO TELEJORNALISMO GAÚCHO - 1

O TÉCNICO QUE DISPAROU PARA LONGE DA NOTÍCIA

Esta foi relato de um colega que viveu o fato.

Início dos anos 80. Uma equipe da RBSTV (então TV Gaúcha) cobria uma tumultuada discussão no plenário da Assembléia Legislativa do RS.

Nas galerias, grupos de funcionários públicos ensandecidos, e no microfone, deputados se revezando em inflamados pronunciamentos.

Os seguranças da casa, visivelmente tensos, já sentiam que a temperatura da sessão se elevava a cada discurso, e temiam que a situação ficasse fora de controle.

E ficou.

- Mas antes de relatar o desfecho, faço uma pequena descrição técnica fundamental para se entender as circunstâncias do “causo”.

Naquela época, as câmeras das equipes de TV não tinham o VT acoplado, ou seja, o gravador. A fita ficava em outro equipamento, como se fosse um enorme videocassete (pesando uns 14 kg) pendurado no ombro do operador de VT.

Este técnico acompanhava sempre o cinegrafista, ligado a ele por um cabo. Este cabo levava as imagens captadas pela câmera para o gravador.

Esta ligação “umbilical” obrigava os dois a andarem sempre atentos aos movimentos um do outro, especialmente o operador de VT, que tinha que acompanhar o “olhar” do cinegrafista, e ficar de ouvidos bem abertos para escutar as ordem dele para acionar o VT na hora de gravar as imagens.

Ou seja, o operador tinha que estar com os dedos sempre prontos para pressionar a tecla “rec” ao comando do câmera, e garantir a gravação dos takes.

Voltado então ao tumulto na Assembléia: o cinegrafista Mário Vial, veterano hoje aposentado, observou que a confusão ia estourar, e quando a pancadaria entre seguranças e manifestantes eclodiu, apontou a lente para o entrevero e gritando, ordenou que o operador acionasse o vt: “Dispara, dispara!!!

O operador não teve dúvidas: na mesma hora se livrou do equipamento e saiu correndo em disparada para longe dali! 

O tumulto continuou, para desespero do cinegrafista Mário Vial, que teve que se virar sozinho pra garantir um mínimo de imagens...


quarta-feira, 6 de abril de 2011

O DIA EM QUE OS ÂNCORAS ANUNCIARAM AO VIVO QUE O JORNAL FARIA GREVE!!

Início de 1986. Eu era pouco mais que um foca. Um ano e meio de profissão, como repórter na TV e e Rádio Guaíba.

Recebo então uma ligação do jornalista Athaides Miranda. Ele tinha deixado a RBS, onde era repórter. Havia saído de lá junto com um grupo de elite da emissora, o pessoal que produzia o RBS Documento – era o Globo Repórter daqui. O produto mais nobre do jornalismo na emissora líder.

A turma comandada pelo saudoso Paulo Martinbianco foi para a TV Pampa, então afiliada da Rede Manchete. A missão era estruturar um departamento de telejornalismo capaz de fazer frente à RBS e à Rede Globo.

Quem convenceu o dono da Rede Pampa, Otávio Gadret, a investir em equipe e equipamento para fazer um jornalismo de maior qualidade - e mais combativo - na Pampa foi o então diretor de programação da emissora, Clóvis Duarte.

Athaides me convidou a integrar o grupo. Eu era um dos mais inexperientes naquele time de estrelas do jornalismo: Flávio Porcello, Cláudia Nocchi, Elódio Zorzetto, Priscila Barreto, além do próprio Athaides e outros repórteres novatos, como Isabel Raupp, Ruvana De Carli e Ferraz Júnior.

Era um grupo grande e altamente qualificado, algo que não se imaginava naquela época fora da RBS.

Na redação, editores de primeira linha, como Alfredo Vizeu, os irmãos Ângelo e Gilberto Lima, Marco Antônio Schuster, Agapito Hangst, Luiz Antônio Corazza  e outros.

Estava nascendo o Jornal Meridional, um telejornal inovador, batizado com o nome do patrocinador, o banco surgido das cinzas de outro falido recentemente, o SulBrasileiro.

Na redação do Meridional: Agapito Hangst,a produtora Aninha, Ricardo Azeredo, Marco Antônio Schuster, a produtora Neiva Rodrigues, Alfredo Vizeu e Paulo Martinbianco


O Jornal Meridional começou com 1 hora de duração. Tinha coberturas extensivas, ousadas e caras (passei quase um mês na Fazenda Anonni, no norte do Estado, acompanhando o nascimento do MST – que alías, foi meu primeiro prêmio de reportagem).

Tínhamos equipes em três turnos, cobrindo de tudo. E comentaristas de peso, como Enéas de Souza, Sérgius Gonzaga, Eduardo “Peninha” Bueno e outros que abrilhantavam o programa.

A equipe se orgulhava de fazer um jornalismo tão ousado quanto independente. Tanto que um episódio se tornou emblemático da coragem – ou do, digamos, romantismo daquela turma.

Na mobilização para a primeira grande greve nacional desde a redemocratização, em protesto contra a inflação alucinada no Governo José Sarney, categorias profissionais e os mais variados segmentos se mobilizavam em todo o país.

E então, a equipe do Jornal Meridional, armada do mais puro - e talvez ingênuo - idealismo jornalístico, decidiu fazer um encerramento diferente no jornal da noite anterior à greve nacional.

Os âncoras Flávio Porcello e Cláudia Nochi fecharam o programa lendo uma nota impensável nos dias de hoje: “ E agora uma última notícia: o Sindicato dos Jornalistas do RS acaba de decidir em assembléia que aderirá à mobilização nacional de amanhã. Portanto, o Jornal Meridional volta DEPOIS DE AMANHÃ. Boa noite!”.

Dá pra acreditar??

A equipe toda compareceu ao local de trabalho no dia da paralização,  mas não teve jornal.

O final da história é mais que previsível: poucos dias depois, todo mundo na rua. Quase cinquenta profissionais. A ousadia custou caro.

Mas, independente deste arroubo da equipe, aquele período de um ano e pouco em que o Jornal Meridional esteve no ar foi um dos raros na história do telejornalismo gaúcho em que a hegemonia da RBS e da Globo aqui no sul do mundo foi seriamente afetada pela concorrência.

Outros tempos...              

segunda-feira, 4 de abril de 2011

ARTESÃOS DE IMAGENS 4 - LUIS FELIPE SILVEIRA

LUIS FELIPE SILVEIRA é um dos melhores exemplos da nova geração de cinegrafistas gaúchos. O profissional talentoso que começou como motorista da reportagem da RBSTV, passou a técnico de áudio e logo se tornou repórter cinematográfico. Depois de passar pela RBSTV, pelo SBT e Globo de São Paulo e Rio de Janeiro, vem trabalhando há 4 anos em Curitiba na RPCTV (maior rede do Paraná, aflliada da Globo).  Já tem no currículo algums prêmios como Sangue Bom de Jornalismo e o cobiçado Prêmio Embratel, com a reportagem "Infância Perdida", veiculada no Fantástico, que mostrou a situação das crianças que trabalham em lavouras de fumo. Felipe tem um olhar bastante preciso sobre sua função e o jornalismo.


1)   A imagem mais difícil que já gravou:
Todos os dias nos deparamos com matérias difíceis, histórias comoventes. Mas há menos de um ano, fiz uma matéria que contou a história de menino que tinha 22 anos, portador de uma doença degenerativa. Não caminha, depende da ajuda do pai para se locomover, comer, viver. Seu pai abandonou o emprego que tinha em uma metalúrgica para ficar o tempo inteiro com seu filho. Colocou uma oficina mecânica no pátio da casa em que mora, onde realiza consertos de automóveis. Estava com despejo decretado, contas atrasadas. Quando vários médicos o atenderam e não sabiam diagnosticar seu filho, foi pesquisar a doença. Dias e dias em uma biblioteca da cidade, achou o que era. Ver aquele pai, com suas vestes simples, largar aqueles motores da oficina para fazer café para o seu filho,  amassar uma banana, organizar os cerca de 18 remédios que ele toma, foi realmente muito difícil. Sem a companhia da mãe, em momento algum demonstrava cansaço em cuidar do rapaz. E aquela demostração de amor que ultrapassava os muros daquela oficina fez os olhos da equipe ficarem com um brilho maior do que o normal. Foi bem difícil.

2)   O pior momento para um cinegrafista:
A situação das “duas portas”, sem dúvida. A imagem daquele preso, daquele político que pode sair pela porta da frente ou pela a dos fundos. Sempre é uma decisão que tem que ser tomada rapidamente, baseada na movimentação, na observação. Uma fonte no local também pode ajudar a arriscar tudo ou ficar junto com outros jornalistas.

3) A imagem mais gratificante:
A que pode ajudar alguém de alguma forma, sensibilizando o telespectador e o fazendo colaborar. Durante a cobertura das enchentes em Antonina-PR depois do carnaval, testemunhamos várias histórias tristes. E cada vez que a matéria ia para o ar, o telefone tocava dizendo que pessoas se sensibilizaram, que queriam ajudar. Isso é gratificante.

4) Maior perigo que já enfrentou trabalhando:
Em 2006 estava no Rio de Janeiro em uma cobertura de conflito entre duas comunidades da Zona Sul carioca. Rocinha e Vidigal se enfrentavam pela disputa de poder do tráfico de drogas. Por volta das 11hs da manhã começou um intenso tiroteio. A entrada do pelotão de elite da polícia fez intensificar o clima de tensão. Ali eu percebia a importância de tentar antecipar as ações. Se proteger e ao mesmo tempo não perder a visão da situação. Qualquer movimento errado, atravessar uma rua, poderia ser fatal

5) Maior defeito de um cinegrafista?
Achar que sabe tudo, que já viu tudo. Isso vicia o olhar e não te permite ousar, fazer imagens novas.

6) E de um repórter?
Querer aparecer mais que a notícia. E, por incrível que seja, ainda existem profissionais assim.

7) Câmeras modernas  salvam cinegrafistas limitados?
Ajudam, mas não salvam. A tecnologia nunca vai substituir a sensibilidade.

8) Cinegrafista deve interferir na edição?

Acompanhar a edição sim, sempre que possível. Sugestões, abre áudios, coisas que foram feitas durante a captação podem passar desapercebidas na hora de editar o VT. E mais uma pessoa para ajudar quando o relógio parece andar mais rápido, pode ser bem útil.

9) Como a tecnologia está influenciando no papel do cinegrafista?
Hoje temos câmeras muito mais modernas, que gravam em Alta Definição. Temos que aproveitar esta tecnologia para aprimorar o nosso trabalho. Podemos entrar ao vivo de pontos que não imaginávamos. Hoje podemos levar a informação de praticamente todos os pontos.

10) O que é mais importante no olhar do cinegrafista?
Aliar a técnica com a sensibilidade. Direcionar o olhar para a verdade.

11) Cinegrafista mulher tem espaço?
Sem dúvida. A sensibilidade de uma mulher, a visão diferenciada que tem só vem acrescentar. Pena que ainda temos poucas no mercado.

12) Há diferença em trabalhar com repórter homem ou mulher?
Não vejo esta diferença. Tem repórteres mulheres que se arriscam mais que homens para ir atrás de uma história. Acho que é mais relacionado com o perfil do que com o sexo.

13) Que peso o cinegrafista deve ter na construção da matéria?
Ele é responsável por toda a parte de imagens da matéria e para isso, tem que estar ciente da pauta, participar das reuniões, sugerir texto, acompanhar a edição. O cinegrafista que só se preocupa com a imagem está perdendo o lugar no mercado.

14) Dica para cinegrafistas novatos:
Ler, assistir a filmes, estar bem informados. Hoje, isso faz muita diferença quando se tem 1 hora para fechar uma reportagem.

15) Dica para repórteres novatos:
Não deixar que a vontade de fazer uma reportagem atropele o sentimento das pessoas.



16) Qual o tipo de reportagem mais desafiante?
Gosto bastante de jornalismo investigativo. A apuração, a estrutura, as apostas. Uma investigação é sempre desafiante.

17) Como percebe o olhar dos editores e chefes de reportagem sobre o trabalho dos cinegrafistas?
Bons editores e chefes sabem muito bem da importância de um bom repórter cinematográfico. O nosso trabalho é apenas uma parte do processo de reportagem. E se ele estiver bem feito, a diferença vai ser notada não só por editores e chefes – para o telespectador também, que é o nosso principal foco.

18) Cinegrafistas que fizeram história: 
Edson Silva, que está na Globo Nordeste, Eduardo Mendes, Fernando Ferro e Marcelo Benincassa (TV GLOBO SP), José Henrique (TV GLOBO RJ), Alexander De Marco, Carlos Costa e Rafael Trindade (RPCTV) Jean Ribeiro (REDE RECORD) e Milton Cougo, hoje free no RS,  são profissionais que admiro muito o trabalho. Sempre que assisto uma reportagem deles sei que vou aprender algo diferente.


19) O telejornalismo mudou?
Mudou e acelerou. Mesmo com a tecnologia que temos de transmissão de dados, de comunicação, o tempo está cada vez menor e a exigência do telespectador, maior. Hoje o telespectador é mais interativo, participa mais. E como a gente, não tem mais tempo para o que não importa.

20)   As TVs usam cada vez mais imagens de populares com celular ou câmeras fotográficas. Isso preocupa?
Não. As imagens feitas pelos telespectadores vêm reforçar esta tendência da interatividade, de participação. Mas não vão substituir a sensibilidade do repórter cinematográfico.


O PESADELO DA ENTRADA AO VIVO 2 - O MALDITO DELAY!

Entre todos os contratempos prováveis e improváveis que podem acontecer durante uma entrada ao vivo, como vimos no texto anterior, um dos únicos perfeitamente previsíveis é o famoso “delay”.

Esta palavrinha tão sonora quanto emblemática para quem trabalha em TV traduz o tempo que o sinal de transmissão leva para ir do local onde o repórter está, até a emissora, e de volta para ele, muitas vezes passando pelo satélite. Dependendo da situação, isso pode significar alguns eternos e angustiantes segundos.    

Você deve se lembrar daqueles momentos nos telejornais, quando um âncora chama um repórter ao vivo de outra cidade, e o repórter, mesmo depois do âncora ter finalizado a pergunta, ainda fica fazendo uma cara de quem está ouvindo, às vezes até balançando positivamente com a cabeça, e só dois ou três segundos depois começa a falar.

Pois este tempo em que o repórter fica quieto, ouvindo, é o tempo que a pergunta leva pra chegar até ele, mesmo depois que o telespectador já tenha ouvido. Transmissões internacionais costumam dar uns 3, 4 segundos de delay, às vezes mais. 

Saber lidar com ele é fundamental para todo repórter, pois uma entrada ao vivo pode surgir a qualquer momento.

Nem sempre o delay acontece, pois conforme a distância entre o local onde está o repórter e a emissora, a linha é direta e a troca de informações se desenrola em tempo real. É o caso das entradas ao vivo dentro da própria cidade ou arredores.

Mas é sempre necessário estar pronto para o famigerado delay, pois ele pode atrapalhar o repórter a ponto de fazer este perder o controle.

E como isto acontece?

Quando vai entrar ao vivo, o repórter está “preso” a uma linha, com o cabo do microfone ligado a outro, geralmente conectado a uma “caixinha” presa à cintura, escondida sob a roupa. Desta caixinha sai o cabo que o conecta à unidade móvel: uma van, um caminhão de externas ou mesmo o carro de reportagem, se equipado para transmissões ao vivo. É esta unidade móvel que vai gerar por microondas o sinal para a TV, e receber o sinal de retorno para o câmera e para o repórter.

Além do microfone, o repórter está com fones de ouvido, para ouvir quando será chamado e ainda poder conversar com o âncora que o chama. Pelos fones ele também recebe orientações da redação, e fala com ela e a equipe técnica pelo microfone. Muitas vezes leva também uma mini-tv de mão, que muitos chamam de watchman.
Quando entra no ar, a linha de contato com a técnica é desligada e o repórter só fala com o âncora e o público.

É aí que o sorrateiro delay pode atacar!

Se o repórter não estiver preparado para uma transmissão que terá delay (informação que a equipe técnica poderá dar previamente), vai ter sérios problemas para se controlar no ar.

O que acontece nesta hora é que, se o repórter continuar recebendo o retorno da transmissão pelos fones com delay, estará ouvindo apenas o que já disse há alguns segundos, e não conseguirá ouvir o que está falando em tempo real. Isso gera uma confusão dos diabos na cabeça!

E pior, estará passando por isso diante dos olhos dos telespectadores.

Como sair desta?

Se o repórter já estiver prevenido sobre o delay, há duas soluções: a técnica pode cortar o sinal de retorno na hora do repórter falar, poupando-o do incômodo sinal que volta atrasado; mas, por outro lado, isto impede que o repórter se mantenha em contato com o âncora, ou seja, não vai ter diálogo.

Outra solução é o repórter controlar a entrada do delay acionando sutilmente o botão de volume na caixinha presa à cintura.

Mas e quando o tal delay chega de surpresa?

Solução: calma e autocontrole. Não há outra saída. Senão o mico diante do público é certo.

A melhor coisa a fazer nesta hora – e você já deve ter percebido isso várias vezes nas entradas ao vivo nos telejornais – é retirar os fones, ou o monofone, com toda tranqüilidade, mesmo que esteja no ar. Sendo um gesto calmo, estudado, não vai parecer nada estranho para os telespectadores. E a transmissão seguirá tranqüila.

Para dar um exemplo de como a insegurança nesta hora pode acabar com a transmissão, dou um exemplo pessoal - uma lição inesquecível para mim.

Foi lá por 91 ou 92. Era um final de feriadão. O Fantástico, da TV Globo, ia encerrar o programa com entradas ao vivo em sequência, com três repórteres relatando o movimento de volta do feriado nas estradas. Começava pelo Rio de Janeiro; o repórter daria o seu relato e então chamaria o de São Paulo, que por sua vez passaria a bola para o do Rio Grande do Sul. Este era eu, com a missão de fechar o programa antes do “Boa noite” dos apresentadores.

Era minha primeira entrada ao vivo em rede nacional. Fui deslocado para a Freeway, a rodovia mais movimentada, com uma unidade móvel de transmissão.

Eu já estava nervoso pela situação em si: uma estréia em vivo de rede e logo no encerramento do Fantástico.

Os técnicos imaginavam que eu já estava avisado pela redação e não se preocuparam em me alertar sobre o delay.

Quando ouvi o chamado do repórter de São Paulo, comecei a falar.
E logo meus ouvidos foram tomados por um tumulto de palavras que se confundiam com o que eu falava. Eu ouvia nos fones de retorno o que já tinha dito e não conseguia ouvir o que dizia em tempo real. Um inferno!

Bateu o desespero. Fui perdendo a concentração e esquecendo os dados que tinha memorizado. Só pensava em tirar os fones de qualquer jeito.
Mas como? Tinha numa mão o microfone e na outra o watchman.

Num ataque de pura estupidez, achei que conseguiria tirar os fones (daqueles grandes, com tiara grossa e auriculares pretos do tamanho de uma bolacha) sem que ninguém notasse... Precisava me livrar daquela zoeira na minha cabeça!

E fiz um gesto brusco que mais pareceu um soco em mim mesmo.

Resultado: um dos fones foi parar no meio da minha testa...O cinegrafista Jeferson Rodrigues,  vendo aquele horror, deslocou a lente para a estrada, para me dar a chance de me recompor fora de quadro.

Arranquei então o maldito fone. Mas a essa altura o texto e a concentração já tinham ido para o beleléu. Só tive tempo de assinar a entrada em off. Um fiasco total!!

Moral da história: se eu tivesse mantido o controle, poderia ter calmamente retirado os fones na frente da câmera, enquanto falava, ou cortado o volume do retorno na “caixinha”. E ficaria tudo bem.
Mas deixei o nervosismo tomar conta, e paguei o preço. Um senhor mico nacional! Mas foi a primeira e última vez.