Entre todos os contratempos prováveis e improváveis que podem acontecer durante uma entrada ao vivo, como vimos no texto anterior, um dos únicos perfeitamente previsíveis é o famoso “delay”.
Esta palavrinha tão sonora quanto emblemática para quem trabalha em TV traduz o tempo que o sinal de transmissão leva para ir do local onde o repórter está, até a emissora, e de volta para ele, muitas vezes passando pelo satélite. Dependendo da situação, isso pode significar alguns eternos e angustiantes segundos.
Você deve se lembrar daqueles momentos nos telejornais, quando um âncora chama um repórter ao vivo de outra cidade, e o repórter, mesmo depois do âncora ter finalizado a pergunta, ainda fica fazendo uma cara de quem está ouvindo, às vezes até balançando positivamente com a cabeça, e só dois ou três segundos depois começa a falar.
Pois este tempo em que o repórter fica quieto, ouvindo, é o tempo que a pergunta leva pra chegar até ele, mesmo depois que o telespectador já tenha ouvido. Transmissões internacionais costumam dar uns 3, 4 segundos de delay, às vezes mais.
Saber lidar com ele é fundamental para todo repórter, pois uma entrada ao vivo pode surgir a qualquer momento.
Nem sempre o delay acontece, pois conforme a distância entre o local onde está o repórter e a emissora, a linha é direta e a troca de informações se desenrola em tempo real. É o caso das entradas ao vivo dentro da própria cidade ou arredores.
Mas é sempre necessário estar pronto para o famigerado delay, pois ele pode atrapalhar o repórter a ponto de fazer este perder o controle.
E como isto acontece?
Quando vai entrar ao vivo, o repórter está “preso” a uma linha, com o cabo do microfone ligado a outro, geralmente conectado a uma “caixinha” presa à cintura, escondida sob a roupa. Desta caixinha sai o cabo que o conecta à unidade móvel: uma van, um caminhão de externas ou mesmo o carro de reportagem, se equipado para transmissões ao vivo. É esta unidade móvel que vai gerar por microondas o sinal para a TV, e receber o sinal de retorno para o câmera e para o repórter.
Além do microfone, o repórter está com fones de ouvido, para ouvir quando será chamado e ainda poder conversar com o âncora que o chama. Pelos fones ele também recebe orientações da redação, e fala com ela e a equipe técnica pelo microfone. Muitas vezes leva também uma mini-tv de mão, que muitos chamam de watchman.
Quando entra no ar, a linha de contato com a técnica é desligada e o repórter só fala com o âncora e o público.
É aí que o sorrateiro delay pode atacar!
Se o repórter não estiver preparado para uma transmissão que terá delay (informação que a equipe técnica poderá dar previamente), vai ter sérios problemas para se controlar no ar.
O que acontece nesta hora é que, se o repórter continuar recebendo o retorno da transmissão pelos fones com delay, estará ouvindo apenas o que já disse há alguns segundos, e não conseguirá ouvir o que está falando em tempo real. Isso gera uma confusão dos diabos na cabeça!
E pior, estará passando por isso diante dos olhos dos telespectadores.
Como sair desta?
Se o repórter já estiver prevenido sobre o delay, há duas soluções: a técnica pode cortar o sinal de retorno na hora do repórter falar, poupando-o do incômodo sinal que volta atrasado; mas, por outro lado, isto impede que o repórter se mantenha em contato com o âncora, ou seja, não vai ter diálogo.
Outra solução é o repórter controlar a entrada do delay acionando sutilmente o botão de volume na caixinha presa à cintura.
Mas e quando o tal delay chega de surpresa?
Solução: calma e autocontrole. Não há outra saída. Senão o mico diante do público é certo.
A melhor coisa a fazer nesta hora – e você já deve ter percebido isso várias vezes nas entradas ao vivo nos telejornais – é retirar os fones, ou o monofone, com toda tranqüilidade, mesmo que esteja no ar. Sendo um gesto calmo, estudado, não vai parecer nada estranho para os telespectadores. E a transmissão seguirá tranqüila.
Para dar um exemplo de como a insegurança nesta hora pode acabar com a transmissão, dou um exemplo pessoal - uma lição inesquecível para mim.
Foi lá por 91 ou 92. Era um final de feriadão. O Fantástico, da TV Globo, ia encerrar o programa com entradas ao vivo em sequência, com três repórteres relatando o movimento de volta do feriado nas estradas. Começava pelo Rio de Janeiro; o repórter daria o seu relato e então chamaria o de São Paulo, que por sua vez passaria a bola para o do Rio Grande do Sul. Este era eu, com a missão de fechar o programa antes do “Boa noite” dos apresentadores.
Era minha primeira entrada ao vivo em rede nacional. Fui deslocado para a Freeway, a rodovia mais movimentada, com uma unidade móvel de transmissão.
Eu já estava nervoso pela situação em si: uma estréia em vivo de rede e logo no encerramento do Fantástico.
Os técnicos imaginavam que eu já estava avisado pela redação e não se preocuparam em me alertar sobre o delay.
Quando ouvi o chamado do repórter de São Paulo, comecei a falar.
E logo meus ouvidos foram tomados por um tumulto de palavras que se confundiam com o que eu falava. Eu ouvia nos fones de retorno o que já tinha dito e não conseguia ouvir o que dizia em tempo real. Um inferno!
Bateu o desespero. Fui perdendo a concentração e esquecendo os dados que tinha memorizado. Só pensava em tirar os fones de qualquer jeito.
Mas como? Tinha numa mão o microfone e na outra o watchman.
Num ataque de pura estupidez, achei que conseguiria tirar os fones (daqueles grandes, com tiara grossa e auriculares pretos do tamanho de uma bolacha) sem que ninguém notasse... Precisava me livrar daquela zoeira na minha cabeça!
E fiz um gesto brusco que mais pareceu um soco em mim mesmo.
Resultado: um dos fones foi parar no meio da minha testa...O cinegrafista Jeferson Rodrigues, vendo aquele horror, deslocou a lente para a estrada, para me dar a chance de me recompor fora de quadro.
Arranquei então o maldito fone. Mas a essa altura o texto e a concentração já tinham ido para o beleléu. Só tive tempo de assinar a entrada em off. Um fiasco total!!
Moral da história: se eu tivesse mantido o controle, poderia ter calmamente retirado os fones na frente da câmera, enquanto falava, ou cortado o volume do retorno na “caixinha”. E ficaria tudo bem.
Mas deixei o nervosismo tomar conta, e paguei o preço. Um senhor mico nacional! Mas foi a primeira e última vez.
Adorei as dicas e a história pessoal, acho que eu jamais serviria para ser repórter de TV. Seria um mico atrás do outro.
ResponderExcluirBeijo,Erika.