Uma vez li uma entrevista do Ernesto Paglia, um dos maiores repórteres da TV Globo. Ele dizia que, não importa quantos anos de experiência se tenha, entrada ao vivo sempre vai ser tensa e potencialmente arriscada. Para qualquer repórter.
O vivo é o momento em que sempre tudo pode dar errado: falhas técnicas improváveis mesmo com tantos testes, mudanças de clima que afetam o ambiente, intromissões de curiosos (amistosos ou agressivos), doidos que surgem do nada, cachorro latindo no lado do repórter, alarme que dispara sem explicação, e mais uma série de acontecimentos inusitados.
E isso tudo acontece tanto com equipes de emissoras bem equipadas como as mais mambembes. Ninguém está livre.
Claro que as “zebras” geralmente são exceções; mas a permanente possibilidade de alguma coisa não funcionar deixa o vivo com aquele ar de momento crítico. E como disse o Paglia, sempre é.
Bem, e quando a bruxa aparece e apronta alguma?
Na maioria das vezes, não há muito tempo pra consertar problemas inesperados no equipamento, e não adianta ficar praguejando com os técnicos, nem amaldiçoar os humores da natureza. E muito menos sair no tapa com algum popular que se mete na frente da câmera pra mandar recado para a mãe...
Só uma coisa pode “salvar” um vivo problemático, quando já está no ar: a presença de espírito da equipe e a segurança do repórter.
Se ele se mantiver calmo, mesmo que um sujeito inconveniente surja atrás dele gritando, ou tomar um choque do microfone, fica muito mais fácil contornar os problemas.
A atitude do repórter e da equipe, agindo com equilíbrio, com a cabeça no lugar, vai permitir que todos saiam honrosamente da enrascada diante do público.
Em primeiro lugar, não adianta querer inventar desculpas ridículas para explicar aos telespectadores o que na maioria das vezes ninguém sabe o que é.
Apelar para a famigerada expressão “temos uma falha técnica” é outro erro, pois não explica nada e só serve para jogar a culpa nos operadores, sem que se saiba mesmo o que está acontecendo.
Um repórter seguro vai saber que o público não é besta, e que é melhor assumir o problema do que tentar mascarar uma situação que está ali aos olhos do mundo.
Se por exemplo, populares começam a incomodar ao redor, é preciso seguir firme no texto, e, se for o caso, fazer alguma observação sobre os ânimos naquele ambiente. Mas jamais perder o controle!
Nas entradas ao vivo em estádios de futebol, é comum os torcedores se agitarem ao lado do repórter, com aquela gritaria típica. O ideal é levar com bom humor, entrando no clima, mas sempre pronto pra cortar o texto, pois torcidas geralmente são incontroláveis.
O repórter tem que estar sempre pronto para enfrentar problemas inesperados no vivo. Jamais deve esquecer que tudo pode acontecer. Mesmo uma simples entrevista pode trazer surpresas.
Vamos a um exemplo real: a competentíssima repórter Luciana Kraemer, então na RBSTV (hoje é professora de jornalismo investigativo na Faculdade de Comunicação do IPA) se preparava para uma entrevista ao vivo com a escritora Lia Luft, para o Jornal do Almoço. A entrada era na Biblioteca Pública. A apresentadora chamou a repórter, que entrou no “quantel” (a janela eletrônica no canto do vídeo) fazendo a introdução. Quando o enquadramento se abriu e encheu a tela, a entrevistada, que estava ao lado da repórter há segundos, havia sumido!
Luciana, totalmente segura, sorriu para a câmera, sem disfarçar a surpresa, e ainda brincou simpaticamente com os telespectadores, dizendo algo como “Ué, cadê a Lia?” E saiu atrás dela entre as estantes da biblioteca, até encontrá-la alguns metros adiante.
Neste caso, foi fundamental também a presença de espírito do cinegrafista Mário JR, que sinalizou com o olhar “Vamos atrás dela!”. E a entrevista saiu perfeita.
Estar bem informado sobre o tema da cobertura também é absolutamente fundamental. Não é incomum o tempo previsto para uma entrada ser “esticado” em função do desdobramento dos acontecimentos ou simplesmente por mudanças na grade de programação.
Outro exemplo real então: eu cobria para a RBS TV uma rebelião no Presídio Central de Porto Alegre. Ia fazer um relato ao vivo da situação para o Jornal do Almoço. A idéia era de uma entrada de 1 minuto no máximo.
No momento previsto, o apresentador Lazier Martins me chamou e começamos uma conversa sobre o que acontecia naquela hora. Logo em seguida, pelo fone de retorno, a editora Mônica Roemmler me avisa que a conversa teria que ser mais longa.
Lazier foi fazendo mais e mais perguntas. E acabamos ficando no ar quase 13 minutos, uma eternidade em termos de televisão. Deu tudo certo porque eu tinha bastante informação e também porque o veterano Lazier facilitou bastante com perguntas pertinentes e bem colocadas.
No próximo post sobre as entradas ao vivo, outras situações que exigem autocontrole do repórter e afinação com a equipe. E mais alguns casos dramáticos, mas bem ilustrativos!
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